Testemunho de Lucas, de São José dos Campos-SP
A vida estava do jeito que eu sempre sonhei, trabalhava com o que gostava, na área que gostava, tinha um bom salário, estava casado, tinha um coletivo cultural patrocinado por uma instituição da cidade, tudo estava indo bem.
Na época, trabalhava num colégio cristão, apesar disso sentia raiva da igreja e já estava afastado há um tempo, quando uma colega que conhecia o meu posicionamento, e sabia do meu envolvimento na cena da arte e do rap, me mostrou um vídeo de uma galera entrando num restaurante de fast food e falando coisas como: "a sua vida é importante”, “a sua vida tem valor”, “você não é o seu trabalho”, “você não é as suas decepções". Isso me impactou muito. Achei muito louco o que eles estavam fazendo e me identifiquei. Era basicamente tudo o que tinha vontade de fazer.
Acontece que o tempo passou e a pandemia veio, com isso fui demitido do colégio e várias coisas ruins começaram a acontecer. Comecei a fazer alguns bicos no centro da cidade, vendendo doces e outras coisas, até que trombei pessoalmente com um dos caras que estava naquele vídeo, trocando ideia com as pessoas no calçadão.
Quando ele chegou pra conversar comigo, eu falei que a minha colega já havia mostrado um vídeo dele, e a gente trocou maior ideia, pegamos contato um do outro e ele começou a me mandar algumas mensagens convidando para eventos. Como tinha muita coisa acontecendo na minha vida, deixei de lado e não consegui me aproximar neste primeiro momento.
A vida foi desandando, o coletivo cultural que tinha o patrocínio e reconhecimento na cidade acabou, o grupo de rap se desfez por conflitos internos, a vida financeira estava muito ruim, não conseguia emprego, vendia doce no centro, trabalhava vendendo proteção veicular, fazia de tudo.
Tinha saído da casa dos pais pra morar com a minha esposa e logo depois o casamento acabou e a gente se divorciou. Tudo ao que eu me dedicava estava se desfazendo: a arte, a música, o casamento, o trabalho. Isso foi me deixando muito mal e a vida perdeu o sentido. Voltei pra casa da minha mãe, mas fiquei sem rumo, me sentindo sozinho. Tudo o que eu tinha como objetivo já não existia mais. Fiquei solto.
Enfrentei um período de tristeza profunda. Tentei preencher o vazio numa vida fútil, mas nada adiantava.
Era como se não conseguisse me encontrar em nada, em nenhum caminho ou lugar. Tentava ir para os eventos de rap, mas sem o meu grupo não conseguia desenvolver nada. Tentava me relacionar com pessoas, mas sem o sentimento não conseguia fazer com que desse certo. Isso desencadeou a depressão.
Vivia um dualismo, aparentemente num cotidiano normal com tudo certo, mas quando chegava em casa chorava e não conseguia dormir. Chegou um momento que comecei a questionar se ainda tinha motivos para viver.
Lembro que um dia estava sozinho em casa, minha família tinha ido à igreja. Eu comecei a escutar a música 24 do Kanye West e a prestar atenção na letra:
"Querido Deus, deixe tudo bem,
nada mais parece certo
querido Deus, deixe tudo bem.
nada mais parece certo.
nada mais parece certo.
Exausto,
nunca é a hora certa pra partir
nunca é a hora certa pra partir
Deus te ama
ele te amou quando escolheu seus passos
tem que fazer isso direito antes de você partir
todos querem pensar que tudo vai ficar bem
um novo eu sobre o antigo eu
deixa sair, deixa tudo sair
Deus, por favor, deixe tudo bem
conserte isso, agora isso parece certo
nada mais parece certo.
me salve
faça tudo ficar bem
nos curvamos porque está tudo bem
tudo bem.
24 horas
24 velas
24 horas
colocamos as mãos para o céu
sim, Senhor colocamos elas bem alto
sei que você está vivo e Deus não acabou
o Diabo é uma mentira e agora ele acabou
colocamos as mãos para o céu
sim, Senhor colocamos elas bem alto
nós vamos ficar bem
Deus não acabou
sei que vamos ficar bem.
sim, Senhor colocamos elas bem alto"
Lembro de chorar muito. Foi uma das orações mais sinceras que eu fiz pra Deus, não aguentava mais, não conseguia ver motivos pra continuar daquela forma e pedi pra que Deus me mostrasse alguma coisa, alguma luz, porque aquela vida não fazia sentido mais.
Algumas semanas depois, aquele cara do vídeo apareceu no meu serviço com um chuveiro quebrado. Atendi ele normalmente, achei o rosto familiar, mas não lembrava de onde. Depois do atendimento, ele me mandou uma mensagem dizendo que achava que eu que tinha o atendido mais cedo, e foi assim que ele apareceu de novo na minha vida.
Começamos a trocar ideia por mensagem e ele me chamou para colar em alguns eventos e ir me envolvendo. E assim, as coisas começaram a voltar a se encaixar. A vida não melhorou da água pro vinho, mas algumas coisas aconteceram nessa mesma época que me trouxeram conforto, consegui me sentir menos culpado com o fim do meu casamento depois de uma conversa com a minha ex, passei a frequentar a casa e os eventos, e a me reconectar com a minha arte, minha música. Fazia muito tempo que não escrevia nada, não compunha nada, e a convivência com essas novas pessoas me reacenderam essa área, que é tão importante pra mim. Minha vida foi voltando aos trilhos e aquilo que eu tinha perdido, foi voltando à vista.
Fui convidado para participar do Nomadz, conferência da Steiger sobre missão, arte e cultura. Quando vi o César MC tocando, um artista que sempre admirei, compartilhando a fé. Aquilo foi me trazendo também novos conceitos sobre a Igreja. Isso tudo me fez lembrar da oração que eu tinha feito para Deus, pedindo um propósito para viver, e quando eu conheci a missão e a Steiger, eu ganhei também um propósito.
Deus me deu um propósito para viver. Voltei a me conectar com Deus, num relacionamento mais sincero e verdadeiro.
Tenho me permitido frequentar uma igreja e isso tudo tem me feito muito bem. Tenho vivido a experiência do discipulado e comecei a caminhar intencionalmente com as pessoas.
Vi um amigo passando por uma situação bem parecida com a minha e uma coragem me impulsionou a mandar mensagem para ele. O chamei para estar junto e tem frequentado alguns eventos e o estudo bíblico informal. Aos poucos temos conversado sobre a fé, sobre suas dificuldades, e eu tenho o privilégio de viver isso também: ver que da mesma forma que o sentido foi devolvido pra mim, outras pessoas também podem recuperar o seu propósito.
Não tenho nenhum milagre excepcional, nada muito esplêndido para contar, mas essas coisas simples da vida fazem tudo valer a pena. Se Deus me deu um propósito num momento em que eu não acreditava em mais nada, outras pessoas também podem ser encontradas como eu fui.
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